O que Manu Gavassi tem a ver com a cena local?
- Nicole Kate
- 16 de fev. de 2024
- 5 min de leitura
“Programa de proteção à carreira artística, em que posso ajudar?”
Antes de começarmos esse assunto eu preciso que você assista a esse vídeo, caso ainda não tenha visto e isso não faça parte da sua bolha.
Falar de Manu Gavassi e cena local me parece um tanto quanto desafiador, então senta que lá vem. O objetivo desse texto não é destrinchar sobre a carreira e as produções da cantora em questão, mas sim criar um gancho entre o tema desse vídeo em específico, dirigido e roteirizado pela Manu, em paralelo com o que, mesmo se tratando de uma esfera local, diz muito sobre a logística das coisas e o próprio rumo delas por aqui.
No curta, Manu levanta uma discussão envolvendo a cultura pop dentro da indústria musical. Embalado por diversas sátiras, o vídeo retrata o descaso cada vez mais evidente que a indústria tem com o que significa ser artista, dando cada vez mais prioridade aos números, aparições e o quão você consegue se manter na mídia. Mais vale a polêmica bem feita do que uma música bem escrita.

Enquanto classe artística independente precisamos organizar nossos direitos para não virarmos massa de manobra na mão de grandes produtores | Foto: Captura de tela do curta/ YouTube Nas cenas, Manu busca insistentemente falar sobre suas criações e é o tempo todo cortada pela “atendente”, que traz em sua fala, um ideal daquilo que é considerado sucesso e que pode finalmente salvar a carreira da artista.
Baseado no que assistimos quero te mostrar uma coisa. Atualmente existem dois caminhos que um artista ao conceber sua arte pode seguir, o caminho conceitual ou comercial. O que isso de fato significa? Vou te explicar…

No vídeo, Manu representa a classe artística que já atingiu números e espaços nacionais e até internacionais | Foto: Captura de tela do curta/ YouTube Para exemplificar isso melhor eu preciso falar do que é ser artista, com base é claro na minha experiência. Falar da arte de um artista é como falar dele em uma mesa longa com todos os assentos ocupados de pessoas que não o conhece mas estão ali bebendo o sangue e comendo da própria carne e pele do artista.
É o clichê de estar nu em uma sala cheia de pessoas, constrangedor ao mesmo tempo que reenergizador. É um paradoxo, se sentir vivo pela adrenalina de estar exposto e isso conversar com o íntimo do outro. Olha o tamanho disso!
Eu não te conheço, você não me conhece mas a arte nos une, o meu conceito comunica com algo que igualmente está preso no seu interno. Essa comunicação também fala sobre identidade, vivências, autoestima, a arte tem o poder de despertar coisas em nós, das mais superficiais até as mais profundas, podendo alcançar nossos segredos mais íntimos.

Estar vulnerável é ter que lidar com você, suas sombras e dores num espaço transparente e exposto como esse aquário | Foto: Captura de tela do curta/ YouTube
A arte sempre vem para comunicar uma mensagem do artista ao público, seja ela qual for, e é nessa hora que o conceito entra para esse jogo. Para além da etimologia da palavra é também o nome atribuído por artistas quando vamos falar de suas criações. O conceito de determinado trabalho de um artista diz sobre a essência e mensagem que quem o criou quer passar para o seu público.
O conceito fala daquilo que gosto de chamar de entranhas. Pode parecer meio exagerado mas é exatamente isso, nosso trabalho quando carregado de conceito e quando esses conceitos partem de nós, estamos fadados à vulnerabilidade.

A vida não é um catálogo, mas o sistema e o algoritmo faz parecer ser | Foto: Captura de tela do curta/ YouTube
Já o comercial fala de uma produção muito mais focada no retorno, na venda do objeto e às vezes esse objeto é inclusive o próprio artista. Ou seja, se no conceitual há um movimento de dentro para fora no comercial é sobre o que o externo pede e o artista reproduz, muita das vezes sem grande envolvimento e quase sempre na sombra de grandes produtores, empresas - já que sobreviver demanda jogo de cintura.
É difícil para um artista sobreviver apenas de conceito, boa parte da renda dos artistas que vivem de arte vem dos trampos comerciais que eles fazem e se é daí que vem o dinheiro não podemos idealizar, é preciso pés no chão para entender aquilo que nos cabe. Então estou aqui para atiçar e levantar questionamentos, é possível afinal unir o prazer ao dinheiro?
É possível viver do que faz sentido para você, aquilo que te alimenta a alma enquanto artista e ainda assim balancear com o que as pessoas estão interessadas em consumir? Quem está disposto a isso?

O mundo real é cheio de armadilhas, inclusive do modelo que vem sendo pregado do que significa ter sucesso | Foto: Captura de tela do curta/ YouTube Nos últimos tempos ando refletindo sobre isso, tem sido um grande ensinamento para mim entender que enquanto humanos que vivem em um mundo material não podemos negar a matéria, não dá para fingir que não é com a gente e seguir como se as leis mundanas não existissem, precisamos gabaritar as dinâmicas do mundo real.
Então aqui não falo sobre ceder, mas sim trazer um novo olhar sobre o fluxo do dinheiro, de que maneira ele pode chegar até mim com uma maior facilidade? Como posso ocupar determinados espaços e ainda assim levar aquilo que acredito? Como posso intervir? É de certa forma trazer uma ressignificação.
Eu entendo que muita das vezes nós pegamos uma certa birra, e de fato é uma guerra injusta mas precisamos aprender temperar e ponderar com o olhar de quê sim eu sei jogar o jogo do sistema mas eu tenho lucidez para saber que por mais real que o jogo pareça ainda é só um jogo. Nós precisamos aprender a usufruir, plantar para colher e levar a colheita para quem necessita do nosso fruto, eu sinto que a cena local ainda não sabe se articular para que isso aconteça fora da tese.

No final parece um looping, realmente é possível sair desse ciclo? Me arrisco a responder essa…Sim! | Foto: Captura de tela do curta/ YouTube Vocês podem perceber que o vídeo da Manu ele ao mesmo tempo que traz uma denúncia ainda assim esteticamente há um conceito trabalhado, o roteiro consegue amarrar e entregar uma linguagem comercial em um produto que julgo conceitual.
Não somos nenhuma Manu Gavassi, estamos navegando em águas locais, mas precisamos tatear e flertar com o comercial, não de forma limitante ou como quem foi castrado, mas sim de uma maneira estratégica. Para hackear o sistema primeiro precisamos mergulhar de cabeça nele, entender a dinâmica de dentro para fora te fará retornar para casa muito mais munido, pronto para enfrentar produtores e empresas.
No embate entre o que vende e o que realmente nos convence, como sair dessa situação inteiros? Essa é uma conversa que fica para outro momento, em uma matéria futura, a provocação está montada…
O que você acha de tudo isso? Vamos conversar!
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Texto por: Nicole Kate - Redatora e Artista independente